quinta-feira, 27 de junho de 2013

Roupa - Gustavo Lacombe



O sutiã encontrou a camisa no chão depois de descrever uma parábola no ar e quicar na ponta da cama. A cueca, embolada com a calcinha, jazia tal qual uma cereja em cima do bolo do resto da roupa que foi colocada sem jeito nenhum ao lado da mesa de cabeceira. Quem ia se importar com aonde colocar o vestuário quando se preocupa mesmo nos lugares onde colocar as mãos.

Se seguraram o dia todo. Além das mensagens que mandavam, provocando um ao outro - coisa normal, não?, era impossível não lembrar da última vez. A longínqua, distante e quase mentirosa vez. Quando um casal é forçado a ficar um tempo sem se encontrar pele com pele, as outras noites parecem ser apenas fantasmas que precisam ser exorcizados com a próxima. Sem hora pra acabar, por favor.

Mordiam-se. Pareciam os sapatos, um por cima do outro, que arranhavam o couro que revestia o salto ou o próprio salto machucando o calçado fino dele. Não interessava, ali, quanto valia cada peça. O preço pago na loja não vinha pro quarto. O que vale, entre quatro paredes, é a disposição, a pegada e, mais valorizado ainda, o amor. Se tiver amor, não importa se o vestido é de um brechó ou se a havaiana dele está gasta. Nada paga.

A música era os gemidos. Ensaiaram colocar uma trilha sonora no fundo, vindo de um dos celulares, mas era consenso: nada melhor que a respiração apressada, o prazer saindo pela boca e as palavras impróprias para outros lugares. Ali podia tudo.

Por fim, satisfeitos, longe de estarem refeitos, poderiam ter recorrido à vergonha de logo buscar a blusa ou um short. Cobririam-se para estarem à vontade. Que nada. Um casal apaixonado se veste com o corpo suado e cansado do outro. Abraça. Não liga se estão pelados. A roupa vai ficar no chão até segunda ordem. Eles já estão vestidos. Vestidos de amor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário